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domingo, 11 de setembro de 2011

Deus Disse

Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.
Manoel de Barros

terça-feira, 7 de junho de 2011

Epigrama


Pelo arco-íris tenho andado.
Mas de longe, e sem vertigens.
E assim pude abraçar nuvens,
para amá-las e perdê-las.

Foi meu professor um pássaro,
dono de arco-íris e nuvens,
que dizia com as asas,
em direção às estrelas..
Cecília Meireles

Essência de Mim


Permaneço no sentido abstrato da existência.
Gosto apenas do simples sofisticado.
Isso requer elegância.
Isso exige delicadeza.
O que me torna único,
e só.
Jaak Bosmans

Colhendo Segredos

Recolha as estrelas
Ainda em sementes
Desenha o infinito
E plante-as em outros céus,
Bem longe

Adube-as com sonhos
Regue-as com lágrimas
E espera pelos segredos
Daquela que escolheste tê-la,
Bem perto
Jaak Bosmans

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Elegia


Nem os dias longos me separam da tua imagem.
Abro-a no espelho de um céu monótono, ou
deixo que a tarde a prolongue no tédio dos
horizontes. O perfil cinzento da montanha,
para norte, e a linha azul do mar, a sul,
dão-lhe a moldura cujo centro se esvazia
quando, ao dizer o teu nome, a realidade do
som apaga a ilusão de um rosto. Então, desejo
o silêncio para que dele possas renascer,
sombra, e dessa presença possa abstrair a
tua memória.
Nuno Júdice

Repouso


Dá-me tua mão


E eu te levarei aos campos musicados pela canção das colheitas
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas entreabertas.


Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.
Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito amada.
Adalgisa Nery

domingo, 17 de abril de 2011


O ritmo
do universo
cabe,
inteiro,
na pupila
dum verso.
Albano Martins

sábado, 9 de abril de 2011

Onde Deus Possa Me Ouvir


Onde Deus Possa Me Ouvir

Sabe o que eu queria agora, meu bem...?
Sair chegar lá fora e encontrar alguém
Que não me dissesse nada
Não me perguntasse nada também
Que me oferecesse um colo ou um ombro
Onde eu desaguasse todo desengano
Mas a vida anda louca
As pessoas andam tristes
Meus amigos são amigos de ninguém.
Sabe o que eu mais quero agora, meu amor?
Morar no interior do meu interior
Pra entender porque se agridem
Se empurram pro abismo
Se debatem, se combatem sem saber
Meu amor...
Deixa eu chorar até cansar
Me leve pra qualquer lugar
Aonde Deus possa me ouvir
Minha dor...
Eu não consigo compreender
Eu quero algo pra beber
Me deixe aqui pode sair.
Adeus...
Vander Lee

terça-feira, 5 de abril de 2011

Breve Pensamento


Existe no silêncio
um grito de harpas
desamparadas
como se viúvas
da música das palavras.

Porém não chores
a eternidade aprende-se
escutando o vento.
LuizaCaetano

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Boneca


A boneca de feltro
parece assustada com o próximo milênio.
Quem a aninhará nos braços
com seus olhos de medo e retrós?

O signo da boneca é frágil
mais frágil que o de pássaro.
Confia. Assim passiva
o vento brincará contigo
franzirá teu avental
dirá coisas que entendes
desde a aurora das coisas:
foste um caroço de manga
uma forma de nuvem
ou um galho com braços
de ameixeira no quintal.

Não temas. Solta o
corpo de feltro. Assim.
Para ser embalada nos braços
da menina que houver.
Dora Ferreira da Silva

Identidade



Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando

o sexo das árvores
Existo onde me desconheço

aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
Mia Couto

domingo, 3 de abril de 2011

No Cortejo das Sombras


No cortejo das sombras,
incapaz de te encontrar,
tão irreal que és,
como uma manhã de inverno
ou uma rua deserta,

no cotejo das sombras
distingo
o pavor de te desconhecer
Luís Quintais



Do local onde plantei meus sonhos
roubei um retalho de esperança
que carrego no bolso,
fitilho de certeza, construção,
algo que sou onde nada é vão.
Eliane Alcântara

sábado, 2 de abril de 2011

Noite


Sozinha estou entre paredes brancas
Pela janela azul entrou a noite
Com seu rosto altíssimo de estrelas
Sophia de Mello B. Andresen

Amo-te


A  mor é teu este sentir
M ensurar impossível é
O lhando o terno que há em ti

T e asseguro certa do querer
E u te amo, razão de todo sorrir.
         Roseane Ferreira




Decifra-me



A lua é um criptograma.
Decifra-me, diz ela
à minha metade analítica
E trôpega.
À minha outra porção,
Mais precavida
Ante o mistério das coisas,
Ela sussurrra-me apenas:
bebe de meu vinho e sonha
Fernando Campanella

A Rosa - Um Suspiro

Se esta flor tão bela e pura,
Que apenas uma hora dura,
Tem pintado no matiz
O que o seu perfume diz,
Por certo na linda cor
Mostra um suspiro d’amor:
Dos que eu chego a conhecer
É este o maior prazer.
E a rosa como um suspiro
Há-de ser; bem se discorre:
Tem na vida o mesmo giro,
É um gosto que nasce e - morre
   Almeida Garret

Voz E Aroma


A brisa vaga no prado,
Perfume nem voz não tem;
Quem canta é o ramo agitado,
O aroma é da flor que vem.
A mim, tornem-me essas flores
Que uma a uma eu vi murchar,
Restituam-me os verdores
Aos ramos que eu vi secar
E em torrentes de harmonia
Minha alma se exalará,
Esta alma que muda e fria
Nem sabe se existe já.
Almeida Garret

Versos


Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma...
Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar,
Um verso é o teu sorriso e os de Dante
Eram o teu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!
Meus versos!... Sei eu lá também que são...
Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez...
Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês...
Florbela Espanca

Errante


Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.
Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura...
Meu coração não chega lá decerto...
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto...
Eu tecerei uns sonhos irreais...
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!
Florbela Espanca

quinta-feira, 31 de março de 2011

Presença


a Altino Caixeta de Castro

Não vim para ficar:
não sou senão minha possibilidade de volta
minha indizível presença
que se resvala
no espanto de ser

Vim
provisoriamente
desafiar o século
anistiar meu susto
traduzir no tempo
este absurdo de nós

Não cheguei tarde
porque tarde é para os incrédulos
e os fantasmas que não se vingaram em vida

E porque nem tudo está falado:
o mundo ainda é uma esfinge
que devora os mudos
e os simplesmente chegados.
Maria Esther Maciel

A Sombra


A sombra do café magoa
o copo donde bebo
não tem fundo
assim como não tem dentro
Luís Rodrigues

Um Objecto


Pegue-se num objecto, qualquer objecto
Aprenda-se a gostar dele
Construa-se sobre ele a teia das nossas fantasias
E sinta-se desapontado
Quando ele se comporta como mero objecto que é
Luís Rodrigues

E ao Anoitecer

e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
Al Berto

Sofro por causa do meu espírito de colecionador-arqueólogo. Quero pôr o bonito numa caixa com chave para abrir de vez em quando e olhar
Adélia Prado

sábado, 26 de março de 2011

Compreendi que a vida não é uma sonata que, para realizar sua beleza, tem que ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um álbum de minissonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade.

Um único momento de beleza e de amor justifica a vida inteira.
Rubem Alves
O outono é triste. Acho que é porque ele é uma metáfora da vida.
A despedida deveria ser assim: uma orgia de beleza.
Rubem Alves

Caminho


Minha luz se resume a uma vela que se equilibra à mera brisa...
Me basta para clarear o caminho que trilho!
Cesar Veneziani
02/03/2011

Esperando Aviões


Música: Esperando Aviões
Composição/Intérprete: Vander Lee

quinta-feira, 24 de março de 2011

Miragem


Sou toda rosas e espinhos,
e por não saber à que vim,
é que me perco em mim
à procura de meus caminhos.

Se vivo em internos mundos,
é porque são mais coloridos
esses campos d'Eu floridos
de liláses sob céus profundos.

E se achas meu ser um tanto etéreo,
saibas que também o sou para mim,
vivo a procura de meu início e fim.
Sou miragem! Meu próprio mistério!
Lenise Marques

Epigrama nº 9


O vento voa,
a noite toda se atordoa,
a fôlha cai.
Haverá mesmo algum pensamento
sobre essa noite? sobre esse vento?
sobre essa folha que se vai?
Cecília Meireles

terça-feira, 22 de março de 2011

Árvore


cego
de ser raiz

imóvel
de me ascender caule

múltiplo
de ser folha

aprendo
a ser árvore
enquanto
iludo a morte
na folha tombada do tempo
          

Mia Couto






Outono


Caqui maduro, carambolas
passarinhos cantando na goiabeira
um pé de manga dourado,
um riacho...uma ribeira
uma rede balançando
uma tarde alvissareira
cheiro de mato molhado
é o outono se chegando...
£una

domingo, 20 de março de 2011

Sonho Na Bolha


meu sonho voou na bolha
na bolha de sabão
da cor do açafrão voou meu sonho
voou veloz
por entre as nuvens de azul monet
com nuvenzinhas formando bouquet
meu sonho cresceu...cresceu...ficou rosé
quis ser estrela dentro da bolha
quis ser estrada, quis ser cometa
quis ser planeta na imensidão
mas era só um sonho sozinho
dentro de uma bolha de sabão...
£UNA

Azul


Tropeçou no sol da manhã
e mergulhou no azul do outono.
Helena Kolody

Outono

É uma borboleta amarela?
Ou uma folha que se
desprendeu
que não quer tombar?
Mario Quintana

sábado, 19 de março de 2011

Se a saudade te solidificasse,
 choraria estrelas.
Patty Vicensotti

Amor Lilás


Sentados em bancos do tempo
sopramos palavras
que emitiam sons
quase inaudíveis :
só o coração ouvia

E teus limites
em meio a quietude
embriagava –se com o cantar
de um amor lilás

E chegamos ao infinito,
vestidos do orvalho
que reveste os disfarces
dos medos adormecidos
Conceição Bentes

sexta-feira, 18 de março de 2011

Quietude


Tem instantes em que nada me é mais adequado,
que os rumores de um silêncio,acordando certos
sentidos,como um clarão,no obscuro de dentro.
É uma sutileza que me amansa,essa pausa de
nada ouvir,onde tudo me ordena.
Patty Vicensotti

domingo, 13 de março de 2011

Colcha de Retalhos


Qual colcha de retalhos
minha vida,
fui juntando os pedaços,
costurando...
um veludo...uma renda,
um pouco de cetim,
um paetê brilhando
ou coisa assim...
As vezes uma nesga de algodão,
um cânhamo puído
se esgarçando...
e um resto que sobrou da fantasia
de arlequim...
£una

A Barca Azul


A barca azul dos sonhos passa ainda
o casco prateado refletindo o luar
sobre as espumas.
Passa cheia de sonhos e a noite infinda
borda estrelas azuis no negro mar
de brumas...
£una


Acerca Do Amor




Do amor só digo isto:

o sol adormece ao crepúsculo
no oferecido colo do poente
e nada é tão belo e íntimo,

0 resto é business dos amantes.
Dizê-lo seria fragmentar a lua inteira.
                Filinto Elísio


Nós


Nessa tua janela, solitário,
entre as grades douradas da gaiola,
teu amigo de exílio, teu canário
canta, e eu sei que esse canto te consola.
E, lá na rua, o povo tumultuário
ouvindo o canto que daqui se evola
crê que é o nosso romance extraordinário
que naquela canção se desenrola.

Mas, cedo ou tarde, encontrarás, um dia,
calado e frio, na gaiola fria,
o teu canário que cantava tanto.

E eu chorarei. Teu pobre confidente
ensinou-me a chorar tão docemente,
que todo mundo pensará que eu canto.
Guilherme de Almeida

sábado, 12 de março de 2011

Amor Bastante


quando vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante
Paulo Leminsk

Para Que A Escrita Seja Legível


Para que a escrita seja legível,
é preciso dispor os instrumentos,
exercitar a mão,
conhecer todos os caracteres.
Mas para começar a dizer
alguma coisa que valha a pena,
é preciso conhecer todos os sentidos
de todos os caracteres,
e ter experimentado em si próprio
todos esses sentidos,
e ter observado no mundo
e no transmundo
todos os resultados dessas experiências.
Cecília Meireles

Soltos de Imensidão

Os anos, Elza, já não gravam nada,
porque gravamos nós o tempo todo.
O teu cuidar, faz-me animar o fogo
e cada dia em nós, jamais se apaga.

Provados somos e o provar é um gomo
desta romã partida pelas águas.
Somos o fruto, somos a dentada
e a madureza de ir no mesmo sonho.

Os anos, Elza, não consertam mágoas,
mas as mágoas não correm, se corremos.
Não encanece a luz, onde são remos

da limpa madrugada, os nossos corpos.
Amamos. No existir estamos soltos,
soltos de imensidão entre as palavras.
Carlos Nejar

Intimidade


Intimidade é quando a vida da gente relaxa diante de outra vida e respira macio. Não há porque se defender de coisa alguma nem porque se esforçar para o que quer que seja. O coração pode espalhar os seus brinquedos. Cantar a música que cada instante compõe. Bordar cada encontro com as linhas do seu próprio novelo. Contar as paisagens que vê enquanto cria o caminho. Andar descalço, sem medo de ferir os pés.
Ana Jácomo

Derradeiro


Um dia alguém me contou que quando era criança chorava quando ouvia ou lia a palavra derradeiro. Acolhi com ouvido de poesia. E sorri, dentro, com ternura por essas singularidades lindas de cada um. Mas sorri muito mais porque adulta, diante de cada experiência derradeira que a vida desembrulha, geralmente choro também. Às vezes, à beça, por outros tantos instantes derradeiros.

Memória de choro é vasta.
Ana Jácomo

Chave


porta, cadeado, janela
cofre, baú, tramela
a chave tranca
esconde, isola
a chave protege
guarda, faz esquecer

a tristeza e o medo
são chaves que encarceram
tornam segredo
trancam a vida
de quem é covarde
e não toma sol
porque arde
Cesar Veneziani
13/06/2009