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segunda-feira, 25 de junho de 2012

A Flor do Sonho


A flor do sonho, alvíssima, divina
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina.
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!…
Milagre… fantasia… ou talvez, sina….

Ó flor, que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!…

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh´alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…
Florbela Espanca


Costuro o infinito sobre o peito.
E no entanto sou água fugidia e amarga.
E sou crível e antiga como aquilo que vês:
Pedras, frontões no Todo inamovível.
Terrena, me adivinho montanha algumas vezes.
Recente, inumana, inexprimível
Costuro o infinito sobre o peito
Como aqueles que amam.
Hilda Hilst

quarta-feira, 20 de junho de 2012


De cigarras e pedras, querem nascer palavras.
Mas o poeta mora
A sós num corredor de luas, uma casa de águas.
De mapas -múndi, de atalhos, querem nascer viagens.
Mas o poeta habita
O campo de estalagens da loucura.
(espaço)
Da carne das mulheres, querem nascer os homens.
E o poeta preexiste, entre a luz e o sem-nome.
Hilda Hilst

segunda-feira, 18 de junho de 2012


moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia
Paulo Leminski

Noite

As casas fecham as pálpebras das janelas e
dormem.

Todos os rumores são postos em surdina
todas as luzes se apagam.

Há um grande aparato de camara funerária
na paisagem do mundo.

Os homens ficam rígidos
tomam a posição horizontal
ensaiam o próprio cadáver.

Cada leito é a maquete de um túmulo
cada sono um ensaio de morte.

No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.
Menotti Del Picchia

Soneto do Desmantelo Azul


Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas,

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.
Carlos Pena Filho



Embriaguem-se


 
É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher
Charles Baudelaire





segunda-feira, 11 de junho de 2012


hoje nenhuma palavra
a ser dita
nenhum grito,
nenhum silêncio
saudade nenhuma
nada
apenas um dia
que despencou do
calendário
Reynaldo Bessa

domingo, 10 de junho de 2012

O Deixador


Eu tenho mania de deixar tudo para depois...
Depois a contagem das cartas a responder...
Depois a arrumação das coisas...
... Depois, Adalgisa... Ah,
Me lembrar mais uma vez de romper definitivamente com [Adalgisa!
Depois, tanta, tanta coisa...
Depois o testamento as últimas vontades a morte.
Só porque vai sempre deixando tudo para depois
É que Deus é eterno
E o mundo incompleto
Inquieto...
Só é verdadeiramente vida a que tem um inquieto depois!
Mario Quintana

Uniforme de Poeta

Ajustei minha cabeleira longa,
coloquei-lhe ao de cima meu
chapéu de coco em fibra sintética,
sacudi a densa poeira das asas encardidas
e, dependurada a lira a tiracolo,
saio para a rua
em grande uniforme de poeta.
Tremei guardas-marinhas,
alferes do activo em
situação de disponibilidade:
meu ridículo hoje suplanta
o vosso e nele se enleia e perturba
o suspiro longo das meninas
romântico-calculistas.
Rui Knopfli

O Poema


A tinta e a lápis
escrevem-se todos
os versos do mundo.

Que monstros existem
nadando no poço
negro e fecundo?

Que outros deslizam
largando o carvão
de seus ossos?

Como o ser vivo
que é um verso,
um organismo

com sangue e sopro,
pode brotar
de germes mortos?

O papel nem sempre
é branco como
a primeira manhã.

É muitas vezes
o pardo e pobre
papel de embrulho,

é de outras vezes
de carta aérea,
leve de nuvem.

Mas é no papel,
no branco asséptico,
que o verso rebenta.

Como um ser vivo
pode brotar
de um chão mineral?
João Cabral de Melo Neto

terça-feira, 5 de junho de 2012

Idéia do Poema


Fluída, indecisa, volátil,

inconcreta, a ideia não
se submete facilmente
ao cerco insidioso
da palavra.

…………….Elusiva
e ambígua a cada
instância se lhe furta,
presa de um discreto pudor.
A palavra é, porém,

audaciosa, pertinaz, envolvente.
Persegue-a e espreita-a,
faz-lhe longas esperas
e sai-lhe ao caminho
a horas inesperadas, em lugares

incertos.
…………….Cativa-a
e perturba-a lentamente
subverte-lhe a vontade,
exalta-lhe os sentidos

e, amorosamente,
nela penetra, desfigurando-a.
Da ideia já nada
ou quase, sobra.
Senão o poema.
Rui Knopfli








O Velho Colono


Sentado no banco cinzento
entre as alamedas sombreadas do parque.
Ali sentado só, àquela hora da tardinha,
ele e o tempo. O passado certamente,
que o futuro causa arrepios de inquietação.
Pois se tem o ar de ser já tão curto,
o futuro. Sós, ele e o passado,
os dois ali sentados no banco de cimento.

Há pássaros chilreando no arvoredo,
certamente. E, nas sombras mais densas
e frescas, namorados que se beijam
e se acariciam febrilmente. E crianças
rolando na relva e rindo tontamente.

Em redor há todo o mundo e a vida.
Ali está ele, ele e o passado,
sentados os dois no banco de frio cimento.
Ele a sombra e a névoa do olhar.
Ele, a bronquite e o latejar cansado
das artérias. Em volta os beijos úmidos,
as frescas gargalhadas, tintas de Outono
próximo na folhagem e o tempo.

O tempo que cada qual, a seu modo,
vai aproveitando.
Rui Knopfli