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domingo, 21 de fevereiro de 2010

Falas Brancas (Fragmentos)

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II
Percorro as horas perdidas e paro.
Tudo são imagens, palavras saturadas, ruídos.
Eu busco a leveza do branco, o sentido do silêncio.
Minha voz é um relâmpago mudo.
IV
Todo gesto me leva a mim.
Sou aquilo de que me alimento.
Fujo da cidade e sua vida cheia de tudo.
E estremeço diante da parede vazia.
L
Meu gesto arde só.
Não sei onde guardá-lo.
Rabisco a dúvida na pele, e
ela treme:
chama de uma fala branca.
Paulo Tapado

Milagre



Eu caminhava entre árvores
E espremia nos dedos
O mudo cipreste, roçando
um acridoce olfato
Ao silêncio de meu nariz.
Ali entre cúmplices imagens,
Onde o vento me sabe
E o sem- fundo do lago me diz,
No frescor do mais contido sumo,
Cheirei a poesia, assim do nada,
E caminhei sobre as águas,
O naufrágio por um triz.
Fernando Campanella

Poema da Amante

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos,
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
E em tudo que ainda estás ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas,
Desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente
Adalgisa Nery

Casa na Chuva


A chuva, outra vez a chuva sobre as oliveiras.

Não sei por que voltou esta tarde

se minha mãe já se foi embora,

já não vem à varanda para a ver cair,

já não levanta os olhos da costura

para perguntar: Ouves?

Oiço, mãe, é outra vez a chuva,

a chuva sobre o teu rosto.

de Escrita da Terra
Eugénio de Andrade

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Esperando Aviões



♫♪ Meus olhos te viram triste
Olhando pro infinito
Tentando ouvir o som do próprio grito
E o louco que ainda me resta
Só quis te levar pra festa
Você me amou de um jeito tão aflito

Que eu queria poder te dizer sem palavras
Eu queria poder te cantar sem canções
Eu queria viver morrendo em sua teia
Seu sangue correndo em minha veia
Seu cheiro morando em meus pulmões

Cada dia que passo sem sua presença
Sou um presidiário cumprindo sentença
Sou um velho diário perdido na areia
Esperando que você me leia
Sou pista vazia esperando aviões

Sou o lamento no canto da sereia
Esperando o naufrágio das embarcações ♫♪
Vander Lee



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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O Lápis



É por demais de grande a natureza de Deus.

Eu queria fazer para mim uma naturezinha

particular.

Tão pequena que coubesse na ponta do meu

lápis.

Fosse ela, quem me dera, só do tamanho do

meu quintal.

No quintal ia nascer um pé de tamarino apenas

para uso dos passarinhos.

E que as manhãs elaborassem outras aves para

compor o azul do céu.

E se não fosse pedir demais eu queria que no

fundo corresse um rio.

No rio eu e a nossa turma, a gente iria todo

dia jogar cangapé nas águas correntes.

Essa, eu penso, é que seria a minha naturezinha

particular:

Até onde o meu pequeno lápis poderia alcançar.

Manoel de Barros

Ponto de Vista


Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens
e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta -
Seria, com certeza, um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras
do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças
do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do
que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que
os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do
ponto de vista de uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.
Manoel de Barros

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Carnaval


Com os teus dedos feitos de tempo silencioso,
Modela a minha mascara, modela-a...
E veste-me essas roupas encantadas
Com que tu mesmo te escondes, ó oculto!

Põe nos meus lábios essa voz
Que só constrói perguntas,
E, à aparência com que me encobrires,
Dá um nome rápido, que se possa logo esquecer...

Eu irei pelas tuas ruas,
Cantando e dançando...
E lá, onde ninguém se reconhece,
Ninguém saberá quem sou,
À luz do teu Carnaval...

Modela a minha mascara!
Veste-me essas roupas!

Mas deixa na minha voz a eternidade
Dos teus dedos de silencioso tempo...
Mas deixa nas minhas roupas a saudade da tua forma...
E põe na minha dança o teu ritmo,
Para me conduzir...
Cecília Meireles