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domingo, 31 de maio de 2009

Roupa Íntima

Eu que tenho andado por aí
que tenho feito algumas coisas sem sentido
que algumas vezes não refletem o que sou
eu que tenho sido já tantas mulheres
quero agora te mostrar
o que tão longamente em mim se acumulou

quero agora tirar os sapatos e o cansaço
de te contar vitórias inventadas
de inventar histórias necessárias
a insegurança toda fantasiada
as emoções fugindo de medo
a verdade posta assim fora do alcance

eu quero te mostrar
o que tão de repente em mim perdeu o sentido
mostrar as minhas marcas de nascença
te levar pra casa da minha mãe
descer as escadas, te contar
os quartos que eu tive, os cachorros que eu tive

eu quero te mostrar meu mal e o meu veneno
ranhuras escondidas, encontros furtivos
as saídas, os cinemas ordinários
como sonhei nas noites e quantas febres
quantos desejos na ponta dos meus dedos
quanta ameaça de pecado e quanto medo

eu quero te mostrar que eu nem mesmo sou bonita
olhada assim de perto às vezes
e tenho momentos de um ridículo irremediável
e uma série de pequenas vergonhas

Você há de notar logo o quanto eu preciso
que voce goste de mim
o quanto eu me desfaço e arrebento
e o quanto eu tento voltar sempre inteira

você há de perceber que eu sou de uma fragilidade
meio assim asa de passarinho
de pardal comum, e muitas vezes
não tem brilho nenhum a minha intimidade

você vai reparar minha impotência
diante de quase tudo e o medo que eu tenho
que você não goste de mim

que você saia primeiro
e me deixe sozinha
atrás desse cenário mal feito
desse teatro vagabundo
que tá ameaçando a cair
Bruna Lombardi

domingo, 17 de maio de 2009

Libertação

Quando a multidão, que há de chegar, estiver toda, toda, nas ruas,
ninguém mais se preocupará com o fio inquieto ou torturado de meus pensamentos.
O meu vulto não projetará nenhuma sombra ao redor de mim.
Ninguém procurará compreender, ninguém!
Certamente o sentido de minha derrota há de pairar como um signo trágico
[sobre a cabeça de cada um deles,
mas será também como um signo inútil em que ninguém atenta.
Ah, então eu serei livre, livre,
e, antes de mim, como depois de mim, todos os mistérios poderão permanecer invioláveis.
Emílio Moura

Poema


Renasces em ti mesma e por ti mesma.
Movimentas o sonho, a poesia e as aventuras imprevisíveis.
O imponderável é a tua matéria.


A poesia só me visita para que te realizes,
para que eu te sinta e te compreenda.


Que caminhos te prendem,
que ignotas rotas te iluminam?


Uma rosa se forma entre o teu sorriso e a aurora.
De repente,
tudo se torna tão irreal
que te sinto visível.
Emílio Moura

Fronteira


Há o silêncio das estradas
e o silêncio das estrelas
e um canto de ave, tão branco,
tão branco, que se diria
também ser puro silêncio.
Não vem mensagem do vento,
nem ressonâncias longínquas
de passos passando em vão.
Há um porto de águas paradas
e um barco tão solitário,
que se esqueceu de existir.
Há uma lembrança do mundo
mas tão distante e suspensa...

Há uma saudade da vida
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença
da mão de puro mistério
que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição.
Tasso da Silveira

Quisera Eu...


Quisera eu, ser um simples beija-flor,
e que teus lábios fossem pétalas de rosa,
para provar o néctar do amor,
desta flor que é para mim a mais formosa . . .

Quisera eu no teu beijo tentador,
sentir o amor cantado em verso e prosa,
poder mostrar com ele todo ardor,
de sentir esta paixão maravilhosa. . .

Quisera eu, no doce ninho dos teus braços,
tirar da minha alma a dor e o cansaço,
dos amores que na vida tive em vão . . .

Quisera eu, ao receber os teus abraços,
deles fazer um belo e grande laço,
unindo nosso corpo e o nosso coração.
Samuel Nunes

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O Vestido

No armário do meu quarto escondo de tempo e traça
meu vestido estampado em fundo preto.
É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas
à ponta de longas hastes delicadas.
Eu o quis com paixão e o vesti como um rito,
meu vestido de amante.
Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.
É só tocá-lo, volatiza-se a memória guardada:
eu estou no cinema e deixo que segurem a minha mão.
De tempo e traça meu vestido me guarda.
Adélia Prado

domingo, 10 de maio de 2009

Desintegração

Eu tenho o coração cheio de coisas para dizer...
E a minha voz, se eu acaso falasse,
teria a força de uma revelação!
Meu espírito palpita ao ritmo desordenado e aflito
de asas prisioneiras que se dilaceraram
na arrancada impossível da libertação e da altura.
Minhas mãos tremem ainda ao contato
imaterial, sobre-humano e fugitivo
de qualquer coisa além e acima deste mundo...
Adormeceu para sempre no fundo dos meus olhos
a saudade de paisagens estranhas e longínquas,
que nunca, nunca mais voltarão neste tempo e neste espaço.
Doem meus olhos. Tremem, ansiosas, as minha mãos.
Meu espírito palpita. Tenho o coração cheio de coisas
para dizer...
Eu estou vivo, Senhor! mas, em verdade, é como se estivesse
morto...
Abgar Renault

Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas.
Manoel de Barros