Escrevo cartas, caso não saibas,
escrevo, escrevo, escrevo...
Se descuidar escrevo todos os dias,
em quase todas as horas.
Na falta de notícias falo de mim,
faço narrativas do que vejo
além das janelas, do tropeço das ruas.
Trago para fora panos puídos das vestes
de minhas ilusões, meu olhar quebrado,
poeiras, esteiras onde se deitam, cansados,
meus sonhos adormecidos.
Tem tanto a ser dito que, ai de mim,
não dou conta de tudo que se tem a dizer.
E dá-lhe papéis, selos, endereços, envelopes,
gente, cidades, remetente,
e um gosto de adeus a cada carta que se vai.
Quem a recebe, recebe retalhos do que sou,
ecos do meu silêncio, pedaços distribuídos.
Tristezas, alegrias, contemplações, ausências:
ainda não sei o paladar das letras,
mas quero-as apascentadas,
como as pipas no céu
inocentes, ingênuas, indiferentes,
sem trazer na feição
a dor ansiosa do coração dos meninos.
Zeca Corrêa Leite
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