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domingo, 21 de março de 2010

Canção de Outono

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão... 
Cecília Meireles

segunda-feira, 8 de março de 2010

Parabéns, Mulher!




Mistério
em desejo.
Coragem.
E no medo fé.
Flor da pele.
Rosa e espinho.
Instinto.
Eterna.
Mulher.

Patty Vicensotti

domingo, 7 de março de 2010

Sensibilidade

Meu coração,
É um quarto de espelhos,
Que reflete e multiplica,
Infinitamente,
Uma impressão.

É como o eco
Dos longos corredores desertos,
Que repete e amplifica,
Misteriosamente,
Uma palavra.

É como um frasco de perfume raro
Que guardou,
Para sempre,
Um leve aroma da essência que encerrou.
Helena Kolody

sábado, 6 de março de 2010

Sensações


Respiro fundo
para ver se alcanço o limite
da sensação que me escapa:
essa incerteza de voz
feito o eco de um grito,
que resvala e volta sem direção.
Confundo-me no ventre da noite:
há palavras que me açoitam
como se de suas asas fossem brotar labaredas
e outras que me acariciam,
sem mais nem menos, apenas para mostrar
que a ausência de luz na face
vai refletir na cor do poema.
Então, busco um sorriso naqueles dias
em que a primavera chegou antes do tempo
e escrevo...mesmo que seja só pra dizer
que há poesia num instante de silêncio.
Basilina Pereira

O Momento da Queda


Dentro do espelho busco a resposta,
mas só o tempo levará os rancores
que ele mesmo incrustou na parede.
Procuro os longos bicos que buscaram o néctar
naquelas manhãs de um abril azulado,
quando as flores ainda se sentiam livres
porque do seu perfume as abelhas sabiam.
A minha pele avisa que o seu brilho pode apagar,
mas as batidas do coração seguem no ritmo da infância
e dos dias ensolarados
que sacudiam as copas das árvores.
Difícil é o trajeto das folhas entre a seiva e o cansaço.
Só mesmo um olho treinado para o espanto
conseguirá sobrevoar o momento da queda.
Basilina Pereira

Rua dos Cataventos

Dorme, ruazinha...É tudo escuro...
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos...

Dorme..não há ladrões, eu te asseguro...
Nem guardas para acaso persegui-los...
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos...

O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha...não há nada...

Só os meus passos...Mas tão leves são
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração...
Mario Quintana

Mar de Menina


Havia um mar,
e ali brotava uma ilha
povoada de lobos e de pensamentos.
Havia um fundo escuro e belo
onde os naúfragos dançavam
como sereias.
Havia ansiedade e abraço.
Havia âncora e vaguidão.

Brinquei com peixes e anjos,
fui menina e fui rainha,
acompanhada e largada,
sempre a meia altura
do chão.

A vida um barco, remos ou ventos,
tudo real e tudo
ilusão.
Lya Luft

sexta-feira, 5 de março de 2010

Se

Se as flores
me emprestassem perfume
as mariposas
o encantamento na luz
o vento
a direção natural
eu encontraria tua magia
mas e para entrar nela?
Como abrir uma tua janela?
Como ter o poder
de colocar a tua
e a minha poesia
numa única poção?
Fazer meu coração teu
e meu teu coração?
Se um anjo me soprasse
eu saberia
se um rio me cantasse
eu saberia
se teus olhos me guardassem
eu saberia...
No próximo sol
nasça também em mim...
Na próxima lua
durma também em mim...
No próximo sonho, sonhe!
Se sonhares comigo
não me acorde
deixa eu ficar...
e nem feches mais
tua janela de amar...
O.Heinze

Mar e Lua

Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das nocturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
- Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar

E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepios
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo agua
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira-mar
Chico Buarque

Venho de Longe

Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonias.

Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.

Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha

Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo.
Paulo Bomfim

Meus Dias

Tem dias que brinco comigo
e busco um sorriso em algum fundo de traço,
talvez um caminho em que me encontre
ou algum outro no qual me perca.

Tem dias que dispo minha alma
e reviro-me criança fera de um não delírio.
Deixo a tristeza pintar um mar
e nuvens filmarem alegria.

Tem dias que cavalgo poesia
e planto palavras nos pés de meus anseios,
outros rasuro malícia e desmancho segredos
tatuados na ponta de alguns prazeres.

Nos dias escritos desencravo dores
destilo amores e afago torrentes.
Tem dias que saio de mim
olho de fora e queimo por dentro.

Tem dias nos dias férteis que viro semente
e de mim broto mulher alucinada
com minhas taras e meus frágeis medos.

Tem dias que esqueço de mim
e sem querer me acho, inteira.
Eliane Alcântara

O sentido Secreto da Vida

Há um sentido profundo
Na superficialidade das coisas,
Uma ordem inalterável
No caos aparente dos mundos.

Vibra um trabalho silencioso e incessante
Dentro da imobilidade das plantas:
No crescer das raízes,
No desabrochar das flores,
No sazonar das frutas.

Há um aperfeiçoamento invisível
Dentro do silêncio de nosso Eu:
Nos sentimentos que florescem,
Nas idéias que voam,
Nas mágoas que sangram.

Uma folha morta
Não cai inutilmente.
A lágrima não rola em vão.
Uma invisível mão misericordiosa
Suaviza a queda da folha,
Enxuga o pranto da face.
Helena Kolody

segunda-feira, 1 de março de 2010

Paraiso


Aberta ao mundo como um grande ouvido
- nada entre o buscado e o buscador -,
senta-se a criança no degrau de pedra
e olha.

Ela é inteiramente o que contempla:
não a flor, mas o espaço fora
das coisas.
Nessa liberdade
sua pequena mão contorna desenhos
que nem a minha lucidez
alcança.

Não quero indagar se faz sentido,
nem a chamo para o cotidiano:
nada que eu lhe possa mostrar
vale o seu olhar
de agora.
Lya Luft